Domínio Colateral – Parte 1

O sangue escorrendo pelos dedos e pingando ao redor da Quinta Avenida foi o ponto de separação das duas vidas. Anteriormente Arthur Marau, agora não sei mais o que. Aquela visão só podia ser narrada como um terrível homicídio à luz da lua numa rua normalmente movimentada, mas que naquele horário era o local perfeito para um crime de qualquer tipo.

Não sei o que me levou a matar. Talvez aquela sede de sangue súbita tenha sido causada pelo excesso de filmes de vampiro em estreias semanais nos cinemas. Românticos, sanguinários, altamente fantasiosos, como uma enxurrada, fazendo uma lavagem cerebral nos seres humanos. Mas era algo mais, como um desejo que cresceu dentro de mim de uma hora para outra, criando asas e me guiando por um mundo totalmente novo, com novas descobertas. Um aprendizado fantástico, desconsiderando-se o aspecto moral. Se bem que não há moral nenhuma em comparações. Ninguém é perfeito e todos cometem seus erros. Não há julgamento, apenas desrespeito claro e preconceituoso. Essa é a moral de hoje em dia: um conjunto de fatores vistos separadamente, excluindo-se o que se passa ao redor. Porém todos esquecem o que existe fora do seu campo de visão humano. Hipócritas imundos. Talvez seja este o real motivo que me levou a matar: ódio a uma sociedade que prega igualdade enquanto atiça a imoralidade. Que moral há em alguém que vê um mendigo na rua e nada faz para mudar o mundo em que vive? Pessoas assim não tem direito algum para julgar outros crimes. Não há o crime mais leve ou o mais pesado, apenas o crime. Meu crime foi matar uma jovem, mas até que ponto eu estou errado?

Uma porta de bar abriu ao longe. Pude ver uma figura grande, andando com o apoio da parede mais próxima. Parou alguns segundos e depois continuou o percurso que parecia mais um caminhar até a forca. A soma de todos esses detalhes deixava identificado o ser distante. Era um homem de cerca de cinquenta anos, tomado pelo vício do álcool, a caminho da sua aconchegante sala de estar. Mas o que podia ser uma caminhada de dez minutos levaria quatro vezes mais tempo para ser feita, naquele ritmo lento e cansado. Posso arriscar até que dentro de um mês ele sofrerá de derrame ou parada cardíaca, só de ouvir o ritmo dos seus batimentos cardíacos. Veias entupidas, cheias de gordura… Até hesito em fazer a minha segunda vítima. Espero que o desejo de matar seja menor do que a razão. Mas levando em conta a garota pálida no chão, creio que o alcoólatra não viverá a tempo de ter seu primeiro derrame.

Os batimentos ficavam cada vez mais altos e a respiração mais ofegante. Ele ainda não estava perto, mas eu conseguia ouvir nitidamente o sangue percorrendo as veias e artérias da figura longínqua. Creio que ele ainda não percebeu a criatura à frente de si, ou a garota estirada em plena calçada. Sua visão turva pela bebida e limitada pela idade não o permitia saber que cada passo à frente, era um mais próximo da própria cova. Mas por sorte a minha sede escorreu como o sangue da garota e coagulou em algum ponto do meu corpo. O nojo daquele sangue impuro me fez perder o apetite, então era hora de ir. Tive a sensação que o homem petrificou por alguns instantes antes que eu me retirasse da Quinta Avenida. Devia estar em choque, ou nunca havia presenciado um assassinato, ou simplesmente tinha parado pra vomitar o que seu fígado não conseguiu filtrar. E assim, seguiu rumo ao seu derrame.

(Texto Via Tumblr Diogo Santana)